segunda-feira, março 20

A nobre arte de escarrar

O que distingue o comum português dos seus congéneres latinos? A baixa estatura, a “unhaca” ou o gosto por carros cinzentos são características marcantes mas é indiscutivelmente a magia da escarreta lusitana que abrilhanta o sucesso dos artistas nacionais nos espaços públicos mundo fora. Trata-se da mais sublime manifestação da nossa lusitana identidade e, tal como a bandeira, pode apresentar 3 cores: verde, amarela e vermelha.
Os indivíduos mais novos só disponibilizam a sua saliva condensada entre as 9:00 e as 10:30 da manhã, altura em que saem de casa para comprar o jornal A Bola no quiosque mais próximo. O percurso entre os dois locais é geralmente suficiente para desferir 3 ou 4 bons escarros, mas um indivíduo experiente e que more mais longe do estabelecimento pode facilmente chegar aos 7.
O ancião, cavalheiro reformado possuidor de boné e óculos de massa, constitui a derradeira referência no universo da expectoração exposta. Protegido por um passado de fumo, excessos alimentares e vida sedentária, tem todas as condições para apresentar escarros certificados, espaçados de 5 minutos. É sublime a maneira como domina a arte de produzir exemplares filigrana, compostos por um núcleo central espesso e escuro (lembrando um floco) rodeado de um fluido bicolor de viscosidade controlada. Quando as reservas naturais se esgotam há sempre possibilidade de recorrer à mais antiga e perpetuada técnica gutural. Esta consiste em “puxar” para a faringe, num movimento coordenado descendente, o muco existente nas fossas nasais, seguido de um movimento ascendente para a boca (em uma ou duas estocadas) e complementado com a habitual projecção a grande distância. Estes escarros alternativos, embora menos interessantes que os de origem natural, destacam-se sobretudo pela matiz esverdeada e maior liquefacção, características que conferem outro glamour à nobre arte de escarrar.