sexta-feira, agosto 4

Ver para crer

Nenhum povo leva tão a sério a máxima “ver para crer” como o português. De facto, ver é o desporto nacional de eleição.
Esta assaz maneira de viver em sociedade atinge a sua expressão máxima quando ocorre um acidente de viação. Em menos de 2 minutos consegue-se juntar mais de 30 praticantes em redor do desastre.
Aqueles que presenciaram o sinistro assumem protagonismo na cena. A sua função primordial é relatar com exactidão os factos aos espectadores que vão acorrendo ao local, embora raramente consigam ser fidedignos. Apesar de na maioria das vezes estar-se perante duas viaturas acidentadas e um indivíduo com algumas escoriações, são recorrentemente mencionados veículos em fuga, tiros, relâmpagos e OVNIS a raptarem bovinos.
A chegada de uma ambulância a alta velocidade adensa ainda mais a multidão. Eis o sal e a pimenta que faltavam: há mortos, há feridos, há tragédia! Os espectadores rejubilam, afinal o tempo investido rendeu dividendos.
O quadro apoteótico para qualquer mirone integra os bombeiros voluntários locais tentando desencarcerar um ocupante que, esmagado por uma colisão brutal, balbucia palavras vãs, imperceptíveis devido à mistura de sangue e miolos que lhe empapa a boca.