quarta-feira, novembro 11

O swing do sinaleiro

Desengane-se quem, ciente da evolução do mobiliário urbano e da maquinaria de regulação do trânsito automóvel, condenou precipitadamente à extinção a inolvidável figura do polícia sinaleiro.
De facto, constato existir uma franja de distintos reformados que, embebidos do mais nobre espírito cívico e de missão, se empenham em ditar instruções aos mais desatentos condutores.
Rolava apressado para uma reunião matinal, queimando semáforos e sustendo a respiração a cada encontro visual com o relógio quando, num ápice e a 5 metros do meu carro-foguete, surgiu um idoso destemido preparando-se para atravessar a rua.
À minha travagem instintiva e altamente arriscada, seguiu-se (pasmem) um sorriso compreensivo do ancião, acompanhado por um simpático: “passe, passe”.
Aliviado e já de primeira engrenada, percorri os primeiros centímetros da nova marcha... e não é que o cretino mudou de ideias e alçou subitamente a perna para a estrada? A expressão afável transformou-se num bem mais castrador: “alto lá meu diabo do asfalto, estou na passadeira!”.
Sem alternativa, parei consternado, aguardando que o velho percorresse em marcha lenta os metros que o separavam do passeio seguinte.
Uma vez mais dá-se o volte-face, e uma figura abnegada acompanhada de gesticulação condizente incitou-me novamente a avançar.
Sem apelo nem agravo arranquei destemido, desta vez decidido a varrer qualquer ser ou objecto que se atrevesse a fazer parede*.
Surpreendido por este movimento agressivo e envolto em CO2, o artolas ainda soltou por entre uma tosse seca: “assasino! Esta malta nova não tem respeito por quem lhes mudou as fraldas!”.
Já distante, observei pelo retrovisor a aproximação de outra viatura ao palco dos acontecimentos relatados... “Prepara-te velho ginasta, vai recomeçar o exercício”, sussurrei em surdina.


* Constitui uma grande vantagem ser usufrutuário de um carro da companhia que já teve outro dono. Quando me perguntarem pelas manchas de sangue no capot, basta dizer: “já lá estavam”.