terça-feira, janeiro 30

Pornografia infantil

Talvez seja por ter uma mente demasiado poluída com os chamamentos sexuais do quotidiano ou porque o peito da Alexandra Lencastre não pára de crescer, o certo é que ninguém me tira esta da cabeça: as cantilenas tradicionais portuguesas estão pejadas de elementos pornográficos.
Só para citar alguns exemplos, o que pretendem que pense quando escuto vigorosos provincianos vociferando “Ó malhão malhão” ou “Cá em baixo está o tiroliroló”?
O que não posso aceitar é que tal assédio descambe para os contos infantis.
A capuchinho veste-se de vermelho e resolve passear no meio de Monsanto, despertando o interesse do voraz lobo mau que, para evitar acusações de pedofilia, opta por devorar a avozinha acamada e tentar a sorte com 3 porcos falantes; A branca de neve teima em dormir com 7 dedicados mineiros numa cabana, com a miserável desculpa de que se esconde de uma madrasta esquizofrénica que fala com um espelho; O marquês de Carabás decide tomar banho no rio como veio ao mundo, deixando um pobre gato perplexo a tomar conta das suas botas, enquanto um rei astuto opta por inovar na alta-costura não se coibindo em mostrar as partes delicadas a todos os súbditos.
Tenham vergonha!

segunda-feira, janeiro 22

Remando contra a maré

Ao chegar junto do automóvel de um colega, soterrado pelo pó, escutei com atenção o seu comentário indignado: “de que vale lavar a merda do carro se no dia seguinte está sujo outra vez?”.
Tal interrogação teve eco profundo no meu íntimo. Na verdade, passamos as nossas vidas executando tarefas cíclicas que, independentemente da nossa vontade, não deixarão de ser isso mesmo, iterações infindáveis.
Assim, de que vale cortar as unhas, o cabelo e a barba se estes voltam a crescer? Qual o propósito de lavar os dentes se o teremos de o voltar a fazer após cada refeição? Para quê insistirmos em esvaziar os testículos se eles retomam os níveis de sémen anteriores? Enfim, de que vale viver se a prazo estaremos mortos e enterrados?
A resposta é simples, estou-me bem nas tintas para as rotinas maçadoras da vivência humana enquanto puder ficar, repetitivamente, a beber o meu gin tónico, debicar uns cajus e a ver o Atlético a eliminar o Porto da taça.

quinta-feira, janeiro 11

O códice Sumol

Cometi um erro grave. Pedi um sumol de laranja durante o almoço da passada quinta-feira.
O rótulo continha a seguinte mensagem:

Onde vires esta garrafa, já sabes: por perto está um dos teus. Encontra-o. Procura-o entre quem gostas de ver à tua volta. Entre os que se riem. Entre os que não vão em modas. Ou entre os que gozam cada momento da vida. E aí terás um amigo. Um Sumólico.

Um Sumólico? A mim não me enganam eles com estes jogos de sedução rabetas! Prometo solenemente não voltar a beber mais deste veneno.

sexta-feira, janeiro 5

Bem na média

Enumerar todas as situações precárias em Portugal ocuparia decerto a totalidade dos meus tempos livres durante a próxima década.
Numa sociedade em que os carros invadem os passeios e os peões caminham descaradamente pela faixa de rodagem, constato igualmente que há quem deixe meio ordenado na repartição de Finanças enquanto outros, protegidos pelo rendimento mínimo garantido, passeiam no seu Carrera de cabelos ao vento.
Finalmente, há por aí miúdas com pulmões tão desenvolvidos que tendem a saltar para fora da caixa toráxica enquanto outras, “tadinhas”, só podem ser úteis quando a tábua de engomar se partir.
Resumindo e fazendo uma conta simples, cheguei à brilhante conclusão de que em termos médios, apesar de tamanha injustiça, acabamos por viver num país fantástico a todos os níveis.

quarta-feira, janeiro 3

Pilhas de pilhas

Tomo consciência de que o mundo que actualmente habitamos foi outrora movido a pilhas. Refiro-me obviamente aos tempos de infância, em que toda a panóplia de brinquedos e acessórios para rapaz requeria um set de baterias adicionais.
Quem nunca sonhou com um Nikko Turbo Panther pelo Natal, espicaçado por uns anúncios televisivos estrategicamente difundidos a partir de meados de Novembro? Aquele magnífico carro telecomandado era capaz das maiores proezas, até mesmo “sacar cavalinho”. O bólide pedia “apenas” 8 pilhas AA para além das 4 necessárias para o telecomando.
Recordo-me com saudade de um comboio que recebi quando tinha 3 anos. Admitindo carga máxima de 15 quilos, permitia que o montássemos e “deslizássemos suavemente” ao sabor de 24 pilhas D, durante menos de 5 minutos.