quarta-feira, julho 26

Infant terrible

Recuando aos tempos de infância, recordo com um sorriso o início do período matinal, altura do dia em que era "largado" no infantário.
Sempre encarei tal rotina como natural, à época levantar cedo não constituía problema, facto possivelmente relacionado com idas para cama sozinho e às 10 da noite.
Como era sempre dos primeiros a chegar, observava recorrentemente a entrada dos meus amiguinhos com seus pais e as cenas que faziam. Era vê-los surgir sorridentes mas, mal entendiam que tinham sido “abandonados” ao cuidado de Dona Graziete y sus chicas, desatavam num pranto colossal. De que estariam à espera: que as mães se tivessem levantado mais cedo, feito um desvio de 7 kms no percurso para o emprego e que ficassem divertidas a brincar ao He-man na creche?
Quanto a mim, procurei tirar proveito dos tempos passados no infantário, extorquindo berlindes aos mais fracos e puxando as calças de fato de treino aos mais fortes, fugindo de seguida.

quinta-feira, julho 20

Títulos, para que vos quero?

Estudar para ser alguém na vida, foi sempre o conselho que me deram. Comentários como: “o filho da Dona Eulália sabe muito, é Doutor” são estigmas que nos perseguem enquanto não somos licenciados.
Findada a revolução dos cravos na nossa estimada pátria, assistiu-se a um boom de universidades, licenciaturas e, naturalmente, títulos honoríficos.
O ataque à ordem estabelecida iniciou-se com a classe bacharel que, do alto dos seus 3 anos de curso, decidiu retocar o seu status académico para um pomposo “engenheiro técnico”, do qual já só resta a “abreviatura” – engenheiro.
Como se não bastasse, os professores, esses seres celestiais que acabam o dia de trabalho às 3 da tarde, faltam que nem água no deserto e que alavancam férias extra com artifícios denominados “reuniões intercalares”, optaram pela designação “docentes”, mais condizente com a sua superior fanfarronice.
Para cúmulo, a malta do croquete decidiu também aderir à moda: a contina exige ser tratada por auxiliar da acção educativa e o padeiro por técnico de alimentos em panificação e confeitaria.

domingo, julho 16

Campismo

Quem julga que o conceito campismo se resume a ir para uma mata virgem com uma tenda artesanal, um canivete suíço e espírito aventureiro, desengane-se, isso é para escuteiros.
O campismo é uma instituição em Portugal. Para participar é necessário possuir uma roulotte com 25 anos (recentemente restaurada) e investir-se uns cobres num bom avançado. É ainda imprescindível ser membro de uma família gigante onde a matriarca tenha excesso de peso e dotes inquestionáveis na confecção de pastéis de bacalhau.
Com todos os apetrechos base podemo-nos mudar de armas e bagagens para a Costa da Caparica, seleccionando um dos inúmeros parques devidamente preparados para receber mais um sócio em suas luxuosas instalações.
Nem vale a pena ponderar o valor da cota quando se nos apresenta o intangível: assar sardinhas num grelhador ferrugento com a visão paradisíaca das cuecas da vizinha suspensas num estendal improvisado.

quinta-feira, julho 13

O casamento

O casamento é a forma convencionada de celebrar um vínculo formal entre um casal apaixonado ou entre um noivo descuidado e uma noiva grávida.
A partir deste evento, quando um dos cônjuges dorme com um 3º sem o conhecimento do 2º pode falar-se oficialmente em "chifres".
Uma das visões paradisíacas que todos temos em terra é o copo-de-água de um casamento de pobres. Ao contrário das uniões de gente fina, onde abundam repórteres mas escasseia a paparoca, no matrimónio entre seres com rendimentos mensais combinados inferiores a 1500 euros a abundância é total. Trata-se de uma rara ocasião para observar em mesas contíguas 3 leitões intactos, pois a malta do croquete tem por hábito investir na bavaroise e no roquefort, deixando para segundo plano as carnes frias.
É com muita pena que constato que os meus familiares menos abastados estão todos casados, embora discussões frequentes me façam antecipar alguns divórcios a breve trecho e consequentes casamentos-festim em tempo útil, amen.

sábado, julho 8

Todos diferentes, todos diferentes

Numa sociedade moderna, onde se quebraram os tabus, em que a decência assume contornos esguios e os valores conservadores estão próximos do ocaso, a problemática dos direitos das minorias assume particular importância.
A nova corrente de pensamento toma por pulhas e bandidos os que, munidos de argumentos e factos históricos, abanam a cabeça em desacordo com o status quo.
É neste contexto que, numa Europa caduca e desvitalizada, seguimos à risca os erros de política de imigração cometidos por franceses e alemães, sorrindo ao sotaque brasileiro do Nordeste, enquanto os amigos canadianos empurram os nossos compatriotas para o voo 617, rumo a Portugal.
Isto de ser cidadão global tem muito que se lhe diga, cá me parece que surgirão mil barreiras, entraves e burocracia a granel no dia em que David Rocha – cidadão do mundo, indivíduo qualificado e dotado de espírito empreendedor – decidir trocar de pátria... ao passo que os Andersons Luizes de Sousa deste mundo (mesmo os que não são bons de bola) seguem palrando o hino luso aos bochechos e sambando ao som da nossa desgraça, com um BI português no bolso.

quarta-feira, julho 5

Jogo da Glória

Os tempos de infância trazem-me memórias doces, como as tardes passadas em volta do Jogo da Glória.
Esta mítica jogatana de tabuleiro é muitas vezes associada ao Juego de la Oca. Este “equivalente espanhol” não passa de um verdadeiro hino à estupidez, um exercício reles de probabilidades, onde o participante é ridicularizado andando para trás e para a frente com uma miniatura colorida, a mando do resultado aleatório do lançamento de um par de dados.
Ao invés, no Jogo da Glória somos confrontados com um excitante desafio, onde a perícia e habilidade do jogador são constantemente postas à prova. Pelas inúmeras casas que compõem o tabuleiro somos surpreendidos com armadilhas, bónus e diversão. Quem nunca usou uma escada para encurtar caminho ou regressou tristonho à casa de partida devido a uma jogada mal calculada?
A cor dos peões assume carácter de importância extrema. A opção por um vermelho garrido possibilitar-nos-á passar incólumes às tropelias predefinidas na quadrícula, porém um amarelo esbatido tornará o nosso pequeno cone um elemento vulnerável às investidas dos adversários, condenando a nossa demanda ao fracasso.