quinta-feira, junho 29

Cais de abrigo

Com a nobre missão de auxiliar a re-integração da população sem-abrigo nasceu, em meados dos anos 90, a revista Cais.
Esta interessante publicação mensal made in Portugal, enraizou-se e amadureceu.
Contudo, o que parecia a priori um método nobre de promover a quebra de assimetrias sociais, tornou-se apenas na maneira mais rápida e prática de reconhecer um drogado.
Parei outro dia junto a um dos 236 semáforos da Av. Estados Unidos da América, a meio de uma manhã verdadeiramente tórrida. De vidro aberto e a desbundar com o último trabalho dos Good Riddance, nem dei por um dignitário da Cais abeirar-se da minha viatura.
Virei a cara e enfrentei o bicho: moreno, 2 dentes em 32, tatuagem artesanal de desenho imperceptível. Balbuciou umas palavras e abanou um exemplar da revista. Disse-lhe um “não” amigável e desviei a atenção. O indivíduo, de olhar vidrado, continuou a tentar expressar-se e eu a ignorá-lo delicadamente.
Eis que a besta pousou a sua mão livre (e suja) na porta do meu carro. Acordado do meu estado de letargia, berrei um “NÃO, FODA-SE!” no preciso momento em que o guitarrista Luke Pabich se preparava para soltar o grande riff da malha “Rise and Fall”.
Aproveitando o facto do sinal estar verde, brindei o indigente com uma arrancada que só um motor 1900 de origem Volkswagen consegue proporcionar.

segunda-feira, junho 26

Os célebres 6 milhões

Foi no tempo de Manuel Damásio, um dos mais sábios presidentes do SLB, que se processou o estudo nacional mais rigoroso a respeito de preferências clubistas. Com este senhor não havia margem para equívocos. Um homem que declarava auferir o mínimo ao fisco e que, durante os jogos do glorioso, acendia charutos cubanos com notas de 10 contos, é sem dúvida um altruísta abnegado que todos devemos respeitar.
Pesquisei um pouco e consegui finalmente encontrar a prova provada de que os números apresentados estão correctos. Ora façamos as contas:

1.000.000 de saloios
+ 1.000.000 de alcoólicos
+ 500.000 carecas com pêlos no peito
+ 500.000 domésticas
+ 500.000 desempregados
+ 500.000 sexagenários com disfunção eréctil
+ 300.000 arruaceiros
+ 200.000 burgessos da construção civil
+ 200.000 emigrantes ilegais
+ 200.000 homossexuais
+ 150.000 indivíduos portadores da síndrome de Down
+ 150.000 taxistas
+ 100.000 mecânicos
+ 100.000 analfabetos
+ 100.000 camionistas
+ 100.000 assassinos
+ 50.000 coveiros
+ 50.000 burlões
+ 50.000 campistas possuidores de roulotte e avançado
+ 50.000 arrumadores
+ 50.000 ex-combatentes do ULTRAMAR
+ 50.000 prostitutas
+ 50.000 peritos na arte de montar marquises
+ 49.985 carteiristas (sócios pagantes)

que juntamente com

+ 10 simpáticos leitores deste blog
+ 3 gatos fedorentos
+ a minha namorada
+ o meu honorável e venerado superior hierárquico (que aproveito para saudar)

perfazem os célebres 6 milhões

quarta-feira, junho 21

Rui Pedro

Navegava descansadamente pela internet (a ver putas sugerirão uns, a trabalhar pensarão outros) quando me deparo com uma fotografia de Rui Pedro, a criança desaparecida desde “mil novecentos e troca o passo”. Que saudades tinha daquela memorável imagem… sim, porque só se dignaram em espalhar uma única foto do rapaz por todos os meios de comunicação, ad eternum. O puto, para além de profundamente estrábico, apresenta um risco ao meio de gosto duvidoso e um sorriso que faz lembrar as crianças da Casa Pia, regressando ao colégio com um saco de desporto novo em folha, após uma tarde bem passada com o tio Bibi.
Cá para mim não foi raptado, atirou-se para a Boca do Inferno.
Caso não o tenha feito está decerto a fumar um charro em Matosinhos depois de um longo dia de laboro numa fábrica de sapatos. Não, não se trata de trabalho ilegal, o “miúdo” já tem 19 anos.
Essa foi, curiosamente, a idade com que frequentei o segundo ano de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico. Lembro-me de ter sido recorrentemente violentado por professores sádicos que não me poupavam a exames de 3 horas no pico do Verão. Registo igualmente que me dava por desaparecido todos os finais de semestre, antes da realização das provas escritas.
Assim, cabe-me solicitar aos agentes da PJ que cessem a caça ao gambuzino e que centrarem esforços na investigação da transferência do George Jardel para a Luz, isso sim, um verdadeiro caso de polícia.

sábado, junho 17

Dois sem três*

O português é um povo suis generis: se há caipirinha à borla, bebe até cair para o lado, se é permitido comer à descrição, engole sofregamente até ficar mal disposto.
Porém as tendências de excesso não se ficam apenas pela culinária, o dia-a-dia do nosso compatriota é feito de loucura e descontrolo.
Profissionalmente está instituído que nos devemos apresentar com o nosso primeiro nome e último apelido, de preferência sem fazer a piadinha: “Bond, James Bond”.
Aproveitando a onda de benesses generalizada, alguns engraçadinhos resolveram dar azo aos acrescentos. São disso exemplo: José Alberto Carvalho, António Lobo Antunes, Maria de Lurdes Pintassilgo.
Será que com José Carvalho, António Antunes e Maria Pintassilgo não se safavam?
No outro extremo temos aqueles que nem um único nome estão habilitados a ter, ficando-se pela alcunha de gosto duvidoso: Quim, Manu e Luisão são escolhas perfeitamente aleatórias.


* post dedicado ao meu bom amigo Miguel Roquette Martins

sábado, junho 10

Renault Clio, edição especial

A mecânica automóvel assume contornos de particular “criatividade” quando deixamos os “não entendidos” tomarem a palavra, fazendo considerações inacreditáveis sobre a economia do petróleo.
Outro dia deliciei-me com uma madame que, numa acesa conversa com uma amiga, argumentava: “O novo Clio tem um depósito espectacular, dá-me sempre para 15 dias.”
Esta é certamente uma forma original de medir a capacidade de um tanque de combustível – “dias”. Aliás, trata-se do procedimento recorrentemente utilizado pela equipa de manutenção do Boieng 747: abastecem o avião às terças e sextas, ao final da tarde, independentemente dos percursos programados.
Tenho por hábito medir os consumos do meu automóvel não em “dias” mas em kms, variável dependente da velocidade a que os faço e da carga transportada.
A grande vantagem desta métrica antiquada é que quando estive 4 semanas na África do Sul, para surpresa de tudo e todos, o depósito durou cerca de um mês mais.

quinta-feira, junho 8

Segunda oportunidade

Desde os tempos de infância que somos bombardeados com informação sobre o perigo potencial das drogas leves, os malefícios das drogas pesadas: a dependência, o sofrimento, a degradação, o desespero. Aceitamos que "errar é humano" quando alguns enveredam pelos "rebuçados e caramelos" dados às escondidas por senhores misteriosos junto ao portão da escola... "tadinho, todos os amigos andavam na droga, como é que ele podia resistir?"; "tadinho, foi criado num bairro pobre, só podia ter dado naquilo".
Desculpas... então e aqueles que, vindos de famílias humildes, criados na mais profunda miséria, souberam dizer não aos vícios e traçar o seu caminho com brio e determinação?
Começou-se com a distribuição de morfina com propósitos terapêuticos, depois veio a troca de seringas, fala-se agora em casas de chuto. Se tal vem dos impostos pagos por contribuintes como eu, exijo coerência total: vinho para os alcoólicos e o pequeno Saúl à cela do Bibi!

domingo, junho 4

Moto-ratos

O acto de conduzir um veículo motorizado de duas rodas é, no que ao rectângulo luso diz respeito, a forma mais simples de atingir o status “divindade do asfalto”.
É sabido que o Actimel nos protege dos perigos do quotidiano, porém o seu efeito tem de ser renovado 3 vezes ao dia e a bola de sabão rebenta se algum engraçadinho lhe espetar uma agulha ou uma beata.
Na mota, nada os detém. As bermas engrossam a via, os traços contínuos desaparecem, as regras do código transformam-se. Alguém se recorda de ver um motociclista parado no trânsito, aguardando pacientemente a sua vez? Os limites da sorte são para desafiar, afinal na mota estão a salvo, não existem os estúpidos cintos de segurança que nos fazem ficar presos ao carro quando este se incendeia, nem os airbags assassinos que já provocaram algumas lesões faciais e traumatismos no pescoço.
Surpreendentemente, esta teoria falha rotundamente nas curvas, quando um demónio denominado "rail de protecção" cumpre a sua missão: proteger-nos destes moto-ratos, ceifando-lhes as pernas, dobrando-lhes a coluna e conduzindo-os para o seu derradeiro meio de transporte – a cadeira de rodas.

quinta-feira, junho 1

O prazer de chupar

A publicidade está cada vez mais agressiva. Mulheres bonitas, nudez, loucura.
Até aqui tudo bem, tempos modernos, a sociedade mudou.
Não posso contudo deixar de meditar um pouco sobre a mais recente campanha da Chupa Chups. O outdoor promocional exibe uma loiraça promíscua agarrada a um exemplar, arrastando sofregamente a sua língua pela totalidade da esfera doce. O slogan utilizado é, no mínimo, sugestivo: “O prazer de chupar”.
Ora, com estes pressupostos, será que existe algum heterossexual que esteja a pensar em rebuçados?