terça-feira, março 28

Geração Teresa

A tradição já não é o que era. Este chavão, iniciado pela campanha do JB, tem provado ser uma teoria valiosa, independentemente do fraco sucesso comercial que o whisky teve.
É tradição, um pouco por toda a parte, o apelido passar de pai para filhos. Assim, o senhor Bernardo Costa nomeará os seus filhos Marta Costa e Tiago Costa.
Dá-se contudo um situação caricata num dos ramos da gigante árvore genealógica da minha família: não é o apelido do pai a ser transmitido de geração em geração mas o nome próprio da mãe…
Uma prima minha, Teresa de seu nome, deu à luz há 35 anos atrás. A recém-nascida, moçoila simpática, morena e de olhos claros, recebeu o nome da mãe. Quando a bebé cresceu houve necessidade de distinguir a Teresa-mãe da Teresa-filha. A brilhante ideia foi chamar à progenitora Teresa-grande e à mais nova Teresa-pequena. Os títulos mantiveram-se durante algum tempo, o problema surgiu quando a Teresa-pequena ultrapassou em altura e em porte a Teresa-grande. Aí, quando as pessoas perguntavam, por exemplo, pela Teresa-pequena, surgia sempre a interrogação: “mas é a Teresa-pequena que é grande ou a Teresa-grande que é pequena?”.
A confusão reinou até hoje… agora instalou-se a entropia total com a última acha lançada para a fogueira: a Teresa-pequena foi recentemente mãe e, surpresa total, decidiu propagar o seu nome original ao mais recente elemento do clube Teresa.

sexta-feira, março 24

O primeiro ordenado

As principais motivações de todos quantos começam a trabalhar são: encontrar um bom ambiente de trabalho, uma equipa dinâmica e simpática que proporcione uma integração rápida e, evidentemente, um salário chorudo e com tendência para fermentar. Passa-se contudo uma situação paradoxal com o primeiro ordenado, vejamos:
- Recebemos apenas uma fracção do mês (pois geralmente não trabalhamos a totalidade dos dias);
- Temos de pagar copos aos amigos, há muito prometidos;
- O mesmo do ponto anterior aplicado a jantares;
- Uma ida ao strip é clássica, noite que poderá descambar no Elefante Branco;
- Presentear os pais é importante;
- A namorada precisa de mimos e pagar em géneros pode ser insuficiente;
- As mesadas chegaram ao fim;
- Começaram gastos anteriormente suportados pelos progenitores: transportes, telemóvel, Internet.

Fazendo as contas talvez seja necessário pedir um empréstimo bancário para suportar o embate ou, solução de algibeira, implorar para que não nos paguem no primeiro mês.

segunda-feira, março 20

A nobre arte de escarrar

O que distingue o comum português dos seus congéneres latinos? A baixa estatura, a “unhaca” ou o gosto por carros cinzentos são características marcantes mas é indiscutivelmente a magia da escarreta lusitana que abrilhanta o sucesso dos artistas nacionais nos espaços públicos mundo fora. Trata-se da mais sublime manifestação da nossa lusitana identidade e, tal como a bandeira, pode apresentar 3 cores: verde, amarela e vermelha.
Os indivíduos mais novos só disponibilizam a sua saliva condensada entre as 9:00 e as 10:30 da manhã, altura em que saem de casa para comprar o jornal A Bola no quiosque mais próximo. O percurso entre os dois locais é geralmente suficiente para desferir 3 ou 4 bons escarros, mas um indivíduo experiente e que more mais longe do estabelecimento pode facilmente chegar aos 7.
O ancião, cavalheiro reformado possuidor de boné e óculos de massa, constitui a derradeira referência no universo da expectoração exposta. Protegido por um passado de fumo, excessos alimentares e vida sedentária, tem todas as condições para apresentar escarros certificados, espaçados de 5 minutos. É sublime a maneira como domina a arte de produzir exemplares filigrana, compostos por um núcleo central espesso e escuro (lembrando um floco) rodeado de um fluido bicolor de viscosidade controlada. Quando as reservas naturais se esgotam há sempre possibilidade de recorrer à mais antiga e perpetuada técnica gutural. Esta consiste em “puxar” para a faringe, num movimento coordenado descendente, o muco existente nas fossas nasais, seguido de um movimento ascendente para a boca (em uma ou duas estocadas) e complementado com a habitual projecção a grande distância. Estes escarros alternativos, embora menos interessantes que os de origem natural, destacam-se sobretudo pela matiz esverdeada e maior liquefacção, características que conferem outro glamour à nobre arte de escarrar.

quarta-feira, março 15

7x8

Houve um tempo em que os alunos da instrução primária (hoje 1º ciclo, amanhã “sabe-se lá o quê”) eram “gentilmente persuadidos” a dominar a tabuada de fio a pavio. O método de memorização profetizado pela docente que leccionou a minha quarta classe era eficiente e frutuoso.
O modus operandis da professora Cecília, uma beirã gorducha, bem disposta e trabalhadora, consistia em efectuar no início da aula um circuito ziguezagueante pelas carteiras, perguntando de forma aleatória a cada aluno: “6x5?”, “8x8?”, “4x9?”. Uma resposta incorrecta significava geralmente TPC extra. Recordo que à época os castigos físicos já estavam abolidos…longe vai o tempo em que se levava 24 reguadas por não se saber coisas tão importantes como “onde nasce o rio Lis”.
Voltando à vaca fria, que é como quem diz à professora Cecília, o grande receio de todos os seus alunos era, indiscutivelmente, a tabuada dos 7, onde figuravam os manhosos “7x8” e “7x9”. O principal problema era o pouco tempo que a professora nos dava para responder, nunca mais de 3 segundos. O seu dedo inquisidor dificultava o raciocínio e uma memória curta, preenchida com cartas de amor e rebuçados, também.
Havia contudo aqueles que procuravam tornear a aflição, recorrendo-se de um antídoto eficaz concebido pelo meu grande amigo Paulo. O método aumentava em 300% o tempo de resposta e era praticamente imperceptível. Ao invés de se pronunciar directamente, o inquirido repetia a questão (tal qual tivesse ouvido mal), usava-a na resposta e ainda invertia a ordem dos factores antes dos 3 segundos começarem a contar. Eis um exemplo: ”Disse 4x6? Ora 4x6 são...6x4 que são... 24!”

Nota: O rio Lis nasce no maciço calcário estremenho (Porto de Mós) e desagua no oceano Atlântico, junto a Vieira de Leiria (Marinha Grande), após percorrer 40 km.

domingo, março 12

Fatos factuais

De que valem licenciaturas e estudos pós-graduados nos dias que correm? O que realmente interessa é um fato de design italiano e uma gravata em seda púrpura. Aprumado e com um corte de cabelo que não borre a pintura qualquer burgesso pode passar a excelência. O vocabulário também ajuda, palavras como: “obséquio”, “sustentável” e “correlação” incrementam facilmente o status do mais singelo operário. Uma boa caneta em ouro e um cartão gold completam o disfarce mas um amigo bajulador semi-corcunda, proferindo frases do género: "tenha cuidado que a porta está pintada, Doutor", é condição sine qua non para que qualquer empregado de mesa, funcionário dos correios ou electricista se junte às dezenas de lacaios que, esfregando as mãos e suando abundantemente, idolatram continuamente quem de fato se lhes apresenta.

quinta-feira, março 9

E depois do adeus (a esta vida)

O mercado da morte está preenchido com duas soluções base: enterro clássico em caixão de madeira six feet under e cremação. Para ser franco nenhuma das duas hipóteses me agrada substancialmente.
A ideia de estar fechado numa caixa de madeira para o resto da eternidade, sem ar nem espaço, é por si só assustadora e clautrofóbica, escusavam de agudizar mais a situação soterrando a vala com uma montanha de solo compactado.
Cremar parece uma óptima ideia, especialmente para os amantes do churrasco, contudo as exigências feitas relativamente ao local de depósito das cinzas são cada vez mais rebuscadas levando a que o portador das mesmas opte por paraísos mais acessíveis como o jardim central da Baixa da Banheira.
Congelar é uma prática visionária, pode ser que daqui a uns anos seja possível ressuscitar os mortos, sendo de todo conveniente termos o cadáver apresentável para voltar à vida com alguma dignidade. Porém, se atentarmos ao que acontece com os bovinos, o mais certo é acabarmos na frigideira de algum ser que surja entretanto no topo da cadeia alimentar.
Embalsamar pode constituir uma boa opção, contudo a escolha da pose deverá merecer a máxima atenção, podemos ficar com cara de parvos para todo o sempre... ou com um sorriso galã e uma erecção duradoira! É hipótese a explorar.
Há ainda a solução luso-chinesa, que reporta para as consequências nefastas da congelação. O método consiste em esquartejar o corpo, cozinhá-lo e servir quentinho no shop-soy de porco.

domingo, março 5

Tenha a bondade de me auxiliar

"Tenha a bondade de me auxiliar" é a frase mais célebre do metropolitano de Lisboa.
O seu autor, senhor na casa dos 60, calcorreia as estações, gingando de carruagem em carruagem como poucos atletas de alta competição. O equilibrismo é sublime, para mais se tivermos em conta que o infortunado é invisual.
Recorri ao dicionário online da PRIBERAM e efectuei uma consulta para a palavra “auxiliar”. Eis os resultados:

do Lat. auxiliari
v. tr.,
prestar auxílio a;
socorrer;
dar ensejo a;
servir de meio para ajudar;
proteger;

adj. 2 gén.,
que auxilia;

s. 2 gén.,
ajudante.

Não entendo porque é que todos assumem que "auxiliar" significa "fornecer de moedas".
Aliás, os erros de interpretação entre cegos/amblíopes e a restante população são frequentes. Era costume no Saldanha encontrar uma ceguinha dizendo: "Deião qualquer coisa à ceguinha". Caramba, para quem só ousa dizer uma frase, e da qual depende o seu sustento, é bom que saiba conjugar o imperativo do verbo dar!

quarta-feira, março 1

Doce desejo

Era manhã fria de Fevereiro. Encasacado e após uma noite bem dormida entrei no autocarro 53, rotina diária. Como sempre faço, removi um dos jornais gratuitos (Destak) da pilha junto ao motorista. A primeira página é usada para publicidade (tem de haver maneira de tornar um jornal gratuito rentável) e a do dia mostrava uma vaquinha roxa, terna e meiga, logótipo da Milka. "Bom era darem chocolate com o jornal" – grunhi em voz alta.
Meia hora mais tarde, à entrada do metro, preparava-me para rejeitar mais um exemplar do Destak quando, surpresa das surpresas, me apercebi de que estavam a oferecer umas deliciosas miniaturas de Milka com o jornal. O meu desejo tinha sido realizado em dois quartos de hora e nem tinha sequer esfregado a lamparina do Ali Bábá.
Começo a pensar quão bom seria se tivessem publicitado o Ferrari 612 Scaglietti... Porém, miniatura por miniatura, sempre prefiro um chocolate.